14- O Design Inteligente


            Escrevi a página “A cópia do acaso” como resposta a um email que recebi de uma pessoa que me questionou de forma muito educada e inteligente. Não esperava mexer com a loucura de alguns religiosos radicais, mas aconteceu. Só não me chamaram de “lindo”! Provoquei pessoas limitadas que se fecham dentro das muradas de seus dogmas, mas apenas escrevi o que penso e, com certeza, considerando os emails que recebo, a maioria das pessoas pensam da mesma forma que eu. Aproveito para agradecer a visita destes radicais ao meu Blog.
Ampliando o que escrevi na página citada acima, venho nesta aumentar a discussão sobre o tema, respondendo a estes radicais que acreditam em uma ideia que foi moda na década de 90 nos EUA e que hoje, após mais de 20 anos, luta para poder se manter viva, como tudo que é muito radical e sem bases sólidas. Falo do Design Inteligente (DI).
A ideia de DI foi originada em resposta à decisão judicial de 1987 da Suprema Corte Americana, que envolveu a separação da igreja do estado. Sua primeira divulgação aconteceu no livro de Percival Davis e Dean H. Kenyon “Of Pandas and People: The Central Question of Biological Origins”, que foi publicado com a intenção de ser usado em aulas de biologia do ensino médio americano. Na metade da década de 90, defensores da ideia começaram a defender mais publicamente sua inclusão no currículo da escola pública americana. Com o Discovery Institute e seu Center for Science and Culture servindo como alicerce central no planejamento e financiamento, o movimento da “criação inteligente” cresceu significativamente em publicidade entre o final da década de 90 e o início de 2000, culminando no "julgamento de Dover", em 2005, que contestou o ensino intencional da “criação inteligente” em salas de ciências do sistema público de ensino americano.
         O conceito do DI está relacionado à criação do universo e seus habitantes através de um "designer inteligente" na natureza que, portanto, não poderiam ter surgido e evoluído por meio do acaso como é proposto no darwinismo. De forma “inteligente”, o DI não afirma que Deus é esse designer, apenas sugere que a natureza apresenta provas claras de um designer inteligente, podendo ser Deus. As técnicas empregadas pela teoria do DI se concentram no estudo das origens, mais especificamente para a origem da vida, fato conflitante com o darwinismo, porque Darwin nunca teve a preocupação de explicar a origem da vida.
Eu não entendo como podem acreditar em um design Divino, com uma natureza tão cheia de imperfeições. Ou o designer foi um grande brincalhão ou incompetente. Alguns exemplos podem ser encontrados nas páginas “A cópia do acaso”, “Abiogênese criacionista” e “Adão e Eva”.
         Os que acreditam no DI criaram uma “cruzada” exclusivamente contra a Teoria da Evolução de Darwin, tentando evitar os furos tradicionais das citações Bíblicas. Realmente foram muito inteligentes, criando uma nova roupagem para a mesma ideologia criacionista. Portanto, podemos resumir que o DI não reconhece a possibilidade de uma espécie evoluir de outra, nem a possibilidade de sistemas biológicos complexos resultarem da seleção natural. Na realidade, o DI pretende, a qualquer custo, buscar pontos ainda não conclusivos para levantar bandeiras contra o darwinismo, que é a teoria dominante sobre a origem e pretende eliminar o naturalismo, que é uma crença de que tudo que nos cerca pode ser explicado por causas naturais.
         O grande sonho dos partidários do DI é o reconhecimento de suas ideias como uma ciência. Mas a comunidade científica não reconhece quem trabalha com o sobrenatural. A ciência precisa de evidências e dados para serem comprovados e discutidos, caminhando com passos firmes e muitas vezes com tropeços, que são fatos naturais da pesquisa, mas a cada dia acumula informações que vão se somando como um grande quebra-cabeça e, progressivamente, elucidando respostas.
A “ciência” do DI não pode ser testada, nem questionada e muito menos discutida, porque está diretamente ligada à ação Divina. Sua base está exclusivamente ligada ao objetivo doentio de se provar qualquer coisa a qualquer custo contra a Teoria da Evolução, que é aceita mundialmente pelas melhores escolas e mentes científicas. Eu acho que os partidários da DI devem se reunir e discutir suas ações assim: “O que vamos fazer hoje para tentar contestar o darwinismo e provar o design na natureza?”. Lembro-me da fala dos personagens da série de desenho animado “Pink e o cérebro”: “Pink pergunta: Cérebro o que você quer fazer hoje à noite? Cérebro responde: Vamos fazer o que fazemos todas as noites! Vamos tentar conquistar o mundo!”. Para quem não conhece, clique aqui.
Um dos principais argumentos do DI contra a evolução está relacionado com a ideia de que existe incapacidade de estruturas biológicas complexas evoluírem de um estado mais simples. Citam que a célula, por exemplo, é composta de centenas de moléculas complexas que permitem o seu funcionamento, portanto, por ser muito complexa, ela não pode ter evoluído de um estado mais simples, porque não funcionaria em um estado mais simples. Consideram, demonstrando total desconhecimento dos processos evolutivos, que a seleção natural só pode optar por características que já estejam funcionando. Será que o Design seria capaz de fazer uma estrutura tão elaborada como uma célula? Ou seria mais explicável a possibilidade de surgir ao acaso, ao longo de bilhões de anos? Quando ainda não temos as respostas certas para determinados questionamentos naturais, é fácil dizer que Deus fez e pronto. Assim é muito fácil! E isto é ciência?
A ideia do DI foi muito bem elaborada, pena que deturpam a Teoria da Evolução para atingirem seus objetivos. O conceito básico de seleção natural está relacionado à sobrevivência do mais adaptado a um determinado ambiente e que, através da reprodução sexuada e de muito tempo, garante gerações futuras com características favoráveis. Tem gente que acha que um peixe, inesperadamente, teve um filho sapo que foi para o ambiente terrestre.
Para explicar como funciona o processo de seleção natural, facilitando a compreensão pelos meus alunos, vou apresentar um exemplo simples. Vamos imaginar uma população humana, criada por um “Design Inteligente”, vivendo dentro de uma cratera de um vulcão extinto que denominarei de cidade de Vulcan. Vulcan está totalmente isolada do resto do mundo pelas bordas de sua cratera que é impossível de ser ultrapassada. A população de Vulcan possui todos os indivíduos normais, belos e altos. Existem túneis, formados por correntes de água da chuva que atravessam os limites de Vulcan e chegam do lado de fora da cidade, mas o biótipo das pessoas não permite passar por estes túneis.
Certo dia nasce um menino normal com estatura muito baixa, proveniente de uma mutação gênica desconhecida (um erro de design). Este menino, por ser diferente, passou a ser o motivo de brincadeiras de toda a população e, quando cresceu, tinha sérios problemas para encontrar uma parceira e ter filhos, portanto, não conseguia passar seus genes “diferentes” para seus descendentes. Entretanto, a população de Vulcan estava aumentando e estava em um local limitado, capacitado apenas para produzir alimentos suficientes para a sobrevivência de seus habitantes, o que estava levando à desnutrição populacional.
Com o passar do tempo o “pequeno diferente” descobriu a passagem por túneis e conseguiu chegar do lado de fora da cidade, encontrando fartura em alimentos. Tentou voltar à Vulcan levando alimentos, mas a correnteza do rio não permitiu. Todo dia ele voltava para o lado de fora da cidade e se alimentava bem, enquanto que os moradores da cidade ficavam cada vez mais desnutridos. O baixinho passou a ser o mais saudável da população de Vulcan, passando a poder cortejar as parceiras, conseguindo se reproduzir, gerando uma população de indivíduos pequenos e saudáveis. Agora, muitos podiam ir buscar alimentos do lado de fora e se acasalarem, aumentando o número de novos indivíduos.
A variável “pequeno” não existia na população de Vulcan e deveria ser naturalmente descartada se o ambiente não o tivesse selecionado. Com o passar do tempo, a população de Vulcan passou a ser de pessoas baixas e saudáveis sem o menor problema de ser feliz! Desta forma, a seleção natural permitiu uma profunda modificação na população, substituindo os indivíduos altos pelos baixos que não existiam antes.
Pesquisadores recentemente visitaram a cidade de Vulcan, que era conhecida como a “cidade dos pequenos” e descobriram no cemitério local, ossadas de pessoas altas e em outro local, mais recente, ossadas de pessoas altas e baixas e o cemitério atual só possui ossadas de pessoas baixas. Esta foi a evidência para estabelecer uma hipótese de seleção natural, que foi posteriormente confirmada por escritas deixadas nos monumentos da cidade.
O exemplo acima, embora inventado por mim, pode ser utilizado para entender o que aconteceu com a história de vida no nosso planeta. Sei que quem procura “monstros debaixo da cama” vai contestá-lo, mas, com certeza, a maioria das pessoas que lê meu blog vai entender.
O movimento do DI causou grande agitação nos Estados Unidos, alegando que sua teoria tem bases científicas sólidas, não se baseia em nenhum princípio religioso e deveria ser ensinada, junto com a evolução, em aulas de ciências nas escolas públicas. A comunidade científica diz que o DI não é científico e que é, de fato, uma ideia metafísica, uma pseudociência, que pode ser ensinada em cursos de filosofia, e não de ciências.
As bases científicas sólidas mencionadas estão relacionadas às superstições, ao sobrenatural e à procura incansável de argumentos contra a Teoria da Evolução, sempre citando que o darwinismo é inerentemente ateísta, mudando assim o debate do criacionismo x evolução para o debate da existência ou não de Deus. Sinceramente vocês acham que isto é ciência? Isto é uma discussão filosófica de botequim! Com muitos erros conceituais do lado dos seguidores da ideia do DI.
Eu acho que educação religiosa deve ser aplicada nas igrejas ou templos, porque qual religião seria abordada em uma escola brasileira? A católica? A kardecista? A umbandista? A budista? Ou outra? Cada pessoa segue a sua religião e, se quiser uma educação religiosa para seu filho, deve colocá-lo em um local especial para isso. A escola tem outros objetivos. Eu tive aulas de religião no meu curso “primário” e “científico”, porque estudei em escolas de padres e, com muita sorte, sobrevivi sem os dogmas corroendo a minha vida. Hoje eu tenho grandes preocupações em relação à doutrinação das nossas crianças que são puras e não merecem ser adestradas conforme escrevi na página “doutrina cega”.
Eu não entendo a necessidade dos seguidores do DI em relacionar ateísmo com evolução. Não vejo nenhum problema da relação religião x ciência. Existem pessoas religiosas e inteligentes o bastante para buscarem tanto as respostas religiosas quanto as científicas e fazê-las interagirem, como existem ateus que são capazes de conviver bem com os conceitos religiosos. Desta forma, o mais adequado e prudente seria pensar na harmonia e usar a racionalidade, mantendo a religião e a ciência, no mesmo sentido, estritamente coligadas, divergindo apenas em poucos conceitos sobre a origem e a evolução da vida. Eu penso que a ciência tem a finalidade de buscar respostas para nossas dúvidas, propondo hipóteses e obtendo teorias e, se possível, testar e refazer experimentos que devem ser amplamente discutidos entre pessoas capazes de ampliar estes resultados. A religião deve garantir um apoio emocional, paz e conforto no sentido de criar um caminho para se atingir a dignidade do homem e da sociedade. Assim, um bom pesquisador poderá ser também um ótimo religioso sem ter arestas ou farpas para se ferir ou ferir alguém.

Edson Perrone
ecperrone@gmail.com

Percival, D. andKenyon,D. H. Of Pandas and People: The Central Question of Biological Origins. Haughton Pub Co; 2ª edition. 1993.