Escrevi a página “A cópia do acaso” como resposta a um email que recebi de uma pessoa que me questionou de forma muito educada e inteligente. Não esperava mexer com a loucura de alguns religiosos radicais, mas aconteceu. Só não me chamaram de “lindo”! Provoquei pessoas limitadas que se fecham dentro das muradas de seus dogmas, mas apenas escrevi o que penso e, com certeza, considerando os emails que recebo, a maioria das pessoas pensam da mesma forma que eu. Aproveito para agradecer a visita destes radicais ao meu Blog.
Ampliando o que escrevi na página citada acima, venho
nesta aumentar a discussão sobre o tema, respondendo a estes radicais que
acreditam em uma ideia que foi moda na década de 90 nos EUA e que hoje, após
mais de 20 anos, luta para poder se manter viva, como tudo que é muito radical
e sem bases sólidas. Falo do Design Inteligente (DI).
A ideia de DI foi originada em resposta à decisão
judicial de 1987 da Suprema Corte Americana, que envolveu a separação da igreja
do estado. Sua primeira divulgação aconteceu no livro de Percival
Davis e Dean H. Kenyon “Of Pandas and People: The Central Question of
Biological Origins”, que foi publicado
com a intenção de ser usado em aulas de biologia do ensino médio americano. Na
metade da década de 90, defensores da ideia começaram a defender mais
publicamente sua inclusão no currículo da escola pública americana. Com
o Discovery Institute e seu Center for Science and
Culture servindo como alicerce central no planejamento e financiamento, o
movimento da “criação inteligente” cresceu significativamente em publicidade
entre o final da década de 90 e o início de 2000, culminando no
"julgamento de Dover", em 2005, que contestou o ensino intencional da
“criação inteligente” em salas de ciências do sistema público de ensino
americano.
O
conceito do DI está relacionado à criação do universo e seus habitantes através
de um "designer inteligente" na natureza que, portanto, não poderiam
ter surgido e evoluído por meio do acaso como é proposto no darwinismo. De
forma “inteligente”, o DI não afirma que Deus é esse designer, apenas sugere
que a natureza apresenta provas claras de um designer inteligente, podendo ser
Deus. As técnicas empregadas pela teoria do DI se concentram no estudo das
origens, mais especificamente para a origem da vida, fato conflitante com o
darwinismo, porque Darwin nunca teve a preocupação de explicar a origem da vida.
Eu não
entendo como podem acreditar em um design Divino, com uma natureza tão cheia de
imperfeições. Ou o designer foi um grande brincalhão ou incompetente. Alguns
exemplos podem ser encontrados nas páginas “A cópia do acaso”,
“Abiogênese
criacionista” e “Adão
e Eva”.
Os
que acreditam no DI criaram uma “cruzada” exclusivamente contra a Teoria da
Evolução de Darwin, tentando evitar os furos tradicionais das citações
Bíblicas. Realmente foram muito inteligentes, criando uma nova roupagem para a
mesma ideologia criacionista. Portanto, podemos resumir que o DI não reconhece
a possibilidade de uma espécie evoluir de outra, nem a possibilidade de
sistemas biológicos complexos resultarem da seleção natural. Na realidade,
o DI pretende, a qualquer custo, buscar pontos ainda não conclusivos para
levantar bandeiras contra o darwinismo, que é a teoria dominante sobre a origem
e pretende eliminar o naturalismo, que é uma crença de que tudo que nos cerca
pode ser explicado por causas naturais.
O
grande sonho dos partidários do DI é o reconhecimento de suas ideias como uma
ciência. Mas a comunidade científica não reconhece quem trabalha com o
sobrenatural. A ciência precisa de evidências e dados para serem comprovados e
discutidos, caminhando com passos firmes e muitas vezes com tropeços, que são
fatos naturais da pesquisa, mas a cada dia acumula informações que vão se
somando como um grande quebra-cabeça e, progressivamente, elucidando respostas.
A
“ciência” do DI não pode ser testada, nem questionada e muito menos discutida,
porque está diretamente ligada à ação Divina. Sua base está exclusivamente
ligada ao objetivo doentio de se provar qualquer coisa a qualquer custo
contra a Teoria da Evolução, que é aceita mundialmente pelas melhores escolas e
mentes científicas. Eu acho que os partidários da DI devem se reunir e discutir
suas ações assim: “O que vamos fazer hoje para tentar contestar o
darwinismo e provar o design na natureza?”. Lembro-me da fala dos
personagens da série de desenho animado “Pink e o cérebro”: “Pink pergunta:
Cérebro o que você quer fazer hoje à noite? Cérebro responde: Vamos fazer o que
fazemos todas as noites! Vamos tentar conquistar o mundo!”. Para quem
não conhece, clique aqui.
Um dos
principais argumentos do DI contra a evolução está relacionado com a ideia de
que existe incapacidade de estruturas biológicas complexas evoluírem de um
estado mais simples. Citam que a célula, por exemplo, é composta de
centenas de moléculas complexas que permitem o seu funcionamento, portanto, por
ser muito complexa, ela não pode ter evoluído de um estado mais simples, porque
não funcionaria em um estado mais simples. Consideram, demonstrando total
desconhecimento dos processos evolutivos, que a seleção natural só pode optar
por características que já estejam funcionando. Será que o Design seria capaz
de fazer uma estrutura tão elaborada como uma célula? Ou seria mais explicável
a possibilidade de surgir ao acaso, ao longo de bilhões de anos? Quando ainda
não temos as respostas certas para determinados questionamentos naturais, é
fácil dizer que Deus fez e pronto. Assim é muito fácil! E isto é ciência?
A ideia
do DI foi muito bem elaborada, pena que deturpam a Teoria da Evolução para
atingirem seus objetivos. O conceito
básico de seleção natural está relacionado à sobrevivência do mais adaptado a
um determinado ambiente e que, através da reprodução sexuada e de muito tempo,
garante gerações futuras com características favoráveis. Tem gente que acha que
um peixe, inesperadamente, teve um filho sapo que foi para o ambiente terrestre.
Para
explicar como funciona o processo de seleção natural, facilitando a compreensão
pelos meus alunos, vou apresentar um exemplo simples. Vamos imaginar uma
população humana, criada por um “Design Inteligente”, vivendo dentro de uma
cratera de um vulcão extinto que denominarei de cidade de Vulcan. Vulcan está
totalmente isolada do resto do mundo pelas bordas de sua cratera que é
impossível de ser ultrapassada. A população de Vulcan possui todos os
indivíduos normais, belos e altos. Existem túneis, formados por correntes de
água da chuva que atravessam os limites de Vulcan e chegam do lado de fora da
cidade, mas o biótipo das pessoas não permite passar por estes túneis.
Certo dia
nasce um menino normal com estatura muito baixa, proveniente de uma mutação
gênica desconhecida (um erro de design). Este menino, por ser diferente, passou
a ser o motivo de brincadeiras de toda a população e, quando cresceu, tinha sérios
problemas para encontrar uma parceira e ter filhos, portanto, não conseguia
passar seus genes “diferentes” para seus descendentes. Entretanto, a população
de Vulcan estava aumentando e estava em um local limitado, capacitado apenas
para produzir alimentos suficientes para a sobrevivência de seus habitantes, o
que estava levando à desnutrição populacional.
Com o
passar do tempo o “pequeno diferente” descobriu a passagem por túneis e
conseguiu chegar do lado de fora da cidade, encontrando fartura em alimentos.
Tentou voltar à Vulcan levando alimentos, mas a correnteza do rio não permitiu.
Todo dia ele voltava para o lado de fora da cidade e se alimentava bem,
enquanto que os moradores da cidade ficavam cada vez mais desnutridos. O
baixinho passou a ser o mais saudável da população de Vulcan, passando a poder
cortejar as parceiras, conseguindo se reproduzir, gerando uma população de
indivíduos pequenos e saudáveis. Agora, muitos podiam ir buscar alimentos do
lado de fora e se acasalarem, aumentando o número de novos indivíduos.
A
variável “pequeno” não existia na população de Vulcan e deveria ser
naturalmente descartada se o ambiente não o tivesse selecionado. Com o passar
do tempo, a população de Vulcan passou a ser de pessoas baixas e saudáveis sem
o menor problema de ser feliz! Desta forma, a seleção natural permitiu uma
profunda modificação na população, substituindo os indivíduos altos pelos
baixos que não existiam antes.
Pesquisadores
recentemente visitaram a cidade de Vulcan, que era conhecida como a “cidade dos
pequenos” e descobriram no cemitério local, ossadas de pessoas altas e em outro
local, mais recente, ossadas de pessoas altas e baixas e o cemitério atual só
possui ossadas de pessoas baixas. Esta foi a evidência para estabelecer uma
hipótese de seleção natural, que foi posteriormente confirmada por escritas
deixadas nos monumentos da cidade.
O exemplo
acima, embora inventado por mim, pode ser utilizado para entender o que
aconteceu com a história de vida no nosso planeta. Sei que quem procura “monstros
debaixo da cama” vai contestá-lo, mas, com certeza, a maioria das pessoas que
lê meu blog vai entender.
O
movimento do DI causou grande agitação nos Estados Unidos, alegando que sua
teoria tem bases científicas sólidas, não se baseia em nenhum princípio
religioso e deveria ser ensinada, junto com a evolução, em aulas de ciências
nas escolas públicas. A comunidade científica diz que o DI não é científico e
que é, de fato, uma ideia metafísica, uma pseudociência, que pode ser ensinada
em cursos de filosofia, e não de ciências.
As bases
científicas sólidas mencionadas estão relacionadas às superstições, ao
sobrenatural e à procura incansável de argumentos contra a Teoria da Evolução,
sempre citando que o darwinismo é inerentemente ateísta, mudando assim o debate
do criacionismo x evolução para o debate da existência ou não de Deus.
Sinceramente vocês acham que isto é ciência? Isto é uma discussão filosófica de
botequim! Com muitos erros conceituais do lado dos seguidores da ideia do DI.
Eu acho
que educação religiosa deve ser aplicada nas igrejas ou templos, porque qual
religião seria abordada em uma escola brasileira? A católica? A kardecista? A
umbandista? A budista? Ou outra? Cada pessoa segue a sua religião e, se quiser
uma educação religiosa para seu filho, deve colocá-lo em um local especial para
isso. A escola tem outros objetivos. Eu tive aulas de religião no meu curso
“primário” e “científico”, porque estudei em escolas de padres e, com muita
sorte, sobrevivi sem os dogmas corroendo a minha vida. Hoje eu tenho grandes
preocupações em relação à doutrinação das nossas crianças que são puras e não
merecem ser adestradas conforme escrevi na página “doutrina cega”.
Eu não
entendo a necessidade dos seguidores do DI em relacionar ateísmo com evolução.
Não vejo nenhum problema da relação religião x ciência. Existem pessoas
religiosas e inteligentes o bastante para buscarem tanto as respostas
religiosas quanto as científicas e fazê-las interagirem, como existem ateus que
são capazes de conviver bem com os conceitos religiosos. Desta forma, o mais
adequado e prudente seria pensar na harmonia e usar a racionalidade, mantendo a
religião e a ciência, no mesmo sentido, estritamente coligadas, divergindo
apenas em poucos conceitos sobre a origem e a evolução da vida. Eu penso que a
ciência tem a finalidade de buscar respostas para nossas dúvidas, propondo
hipóteses e obtendo teorias e, se possível, testar e refazer experimentos que
devem ser amplamente discutidos entre pessoas capazes de ampliar estes
resultados. A religião deve garantir um apoio emocional, paz e conforto no
sentido de criar um caminho para se atingir a dignidade do homem e da
sociedade. Assim, um bom pesquisador poderá ser também um ótimo religioso sem
ter arestas ou farpas para se ferir ou ferir alguém.
Edson Perrone
ecperrone@gmail.com
Percival, D. andKenyon,D. H. Of Pandas and
People: The Central Question of Biological Origins. Haughton Pub Co; 2ª
edition. 1993.